Quando a arte sonha.
- Nicolau Benjamim
- 14 de set. de 2019
- 4 min de leitura
Acreditasse eu em vidas passadas, almas que tornam, reencarnações e coisas dessas, talvez te acreditasse em mim. O poder solene de certas circunstâncias da imaginação. Também, bem sei - aqui despojado de ego - que só imagina o Homem coisas que foi que se lhe aprazam. Não acreditando eu, se é para imaginar, pois que se descartem golpes de imaginação que pudessem outros buscar que a mim nada me dizem. E nisto – já todo eu sendo ego - pois que te imagino quereres-te em mim. E nem ego pode isto ser por não ocorrer sabendo-me sóbrio.
Nos sóbrios momentos acredito-me apenas enquanto circunstância científica de acaso, mal conseguida - isto que se esclareça devidamente e desde já - por não fazer eu qualquer sentido. Nenhum que identifique. Nos outros, os momentos que sobram além dos sóbrios, em que me entorpeço pela natureza, não castro a imaginação. É nesses instantes em que te tenho em mim. É um farto-te! Por me castrar ao estar observando-me a imaginar-te. Consigo ser dois sem que se influenciem. Ou três, já que estás e és criação minha. Sou o que te imagina e o que se olha imaginando-te, achando tal coisa um disparate. É rir-me de mim mesmo neste processo livre do meu estado de dormência. E tu… eu o foste, és-me agora. E não, não é isto erro de construção frásica ou cousa que o valha caríssimos, é assim mesmo. Já ele o disse em tempos que não escrevia em português, escreveu-se a ele mesmo.
Quiseste ser eu. Tu que de emoções percebeste, belas que as escreveste, mágico trapezista de palavras, quiseste vir vivê-las em mim, por mim. Experienciar as paixões assolapadas de amores de um outro lugar que não este. Vincar corações que sabes que ficarão sempre em parte presos. O estar dentro do coração dos outros. Quiseste a magnitude do sentir pela vida à parte dos estados de solidão depressiva, corrosiva, fastidiosa. E eu, que não sou um ele em vida carnal, quiseste viver-me por conta desta contradição de elegância desmontada pelo ímpeto do instinto animal que em mim vive castrado pelos valores que quiseste viver. Fica em mim o impulso de querer desmembrar ameaças pela valor da compreensão. Mas ficam-me os dois: o impulso e o valor. Ferve-me o sangue e assola-me o pensamento o querer compreender as sensações alheias. E faço o quê? Se tenho o sangue fervente pelo ímpeto animal, mas tudo o resto que o castra, nesta coisa de ver além, o tentar pelo menos. É esquizofrénico, não chegando a ser por não agir um sem o outro. Fica só sangue fervido guardado. Deve isto ser por conta de, antes de sermos o que foste e o que somos agora com o que sou, termos sido um qualquer primitivo homem chefe de tribo. Já devemos nós ter sido três. O primitivo, tu e eu.
Não negues. As escritas sensações que tuas foram pelas palavras como de ninguém, quiseste-as na pele. Maravilhaste-te com outras que desconhecias, bem sei.
E nós os dois ali conversando e eu vendo-nos. Descabida circunstância, que mais ninguém saiba deste ridículo! Tu dizendo que sou bem-apessoado no modo como me apresento em carne. Não demasiado, o suficiente para viveres o que querias viver e que te faltou antes, tenho em crer. Se fosse pelo estético noutro sítio tinhas tu parado que não em mim. Mas esta foi a conta, medida e peso que te encaixou. Uma comedida ambição de tua parte. Vieste viver-me, nestes tempos, para sentir e ser outro corpo, um que pudesse para aí andar neste descontrolo de querer ver do mundo tanto quanto há.
Discutimos, todavia, uma destas noites, que é quando trago a natureza para dentro de mais qualquer coisa. Discutimos a dada altura, assim foi. E eu, vendo tudo aquilo, ridículo que é esta imaginação básica, não a conseguindo controlar por conta do que dá a ilegalidade da natureza. Não discutimos, sejamos aqui claros, mas era essa a minha vontade. Discutíamos se fosse feita a minha vontade, assim é que foi. Não fizeste as coisas com preceito! Vieste para me ser, mas não te despiste integralmente de ti. E isto está-nos a fazer mais mal que bem, em vezes. Melhor que o admitas e isto remedeis! Se era para viver as sensações escritas que a mim vieste escusavas de o resto ter trazido. A lógica que faz… nenhuma, que se diga aqui já assim como realmente é. Despojaste-te dessa genialidade obsessiva, inigualável que te consumiu e feitos intemporais te deu, mas trouxeste a paixão e a vontade. Atirei-te isso em cara na discussão cordial que tivemos. Desculpaste-te amigavelmente. Sabias bem a merda que tinhas feito. Traz paixão, mas não traz genialidade: inquilinos destes ninguém os quer! Podíamos ter sentido só, sem carregar este peso às costas das palavras. Depois saem coisas destas apaixonadas, mas ineficazes, incapazes, poucochinas.
Respondeu que veio para sentir não veio para ser génio, está disso farto, já o foi em demasia. Faz isto parte do sentir, a paixão por algo maior... mais uma. A genialidade é o que faz acontecer e disso já não precisava ele, só da pele arrepiada. Achei mal, claro está, mas não tinha o que argumentar, não tinha que dizer por ser uma daquelas coisas que não tem razão de discussão porque nada mudará.
E eu, alheado do meu estado negligente, olhando esta parvoíce imaginativa, rindo-me. Consegue a imaginação ser quase tão descabida quanto a realidade.
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