Cartas Mortas.
- Nicolau Benjamim
- 4 de jul. de 2019
- 2 min de leitura
...
– Acautelou-se ela antes de partir, assim o decidiu, ao te deixar esta carta. Pouco
diz, mas diz o que acha. É o que é. Tanto quanto a uma já morta, por vontade sua, se
pode pedir.
– O que é isso de se acautelar quanto a morte se escolhe?
– Estranhas a prudência de não nos deixar a divagar sobre o motivo?
– Tão parca e nem poupou a vida. De que lhe serviu a parcimónia.
– Recompõe-te que a ti não te cabem esses julgamentos!
– Dá-ma! A carta.
“Morre um pedaço de podre de cada vez que morre um Homem.
Respira o mundo de alívio.
Sofre, a terra, por ter de o deglutir, ao podre, na sua nobreza de transformar o
podre em fertilidade.
Transforma a terra, o morto podre, em vida.
Respira o mundo.
O alívio por ter morrido um pedaço de podre.
Brindam os Deuses ao alívio, por estar o mundo mais limpo, mais puro. Que se vá
de uma vez o podre!
Pelo corpo dos Homens, o podre!
Acabe-se com o podre do mundo pela morte dos Homens.”
– Dá-mo! O lápis que no bolso tens!
– Se a carta já te dei para quê o lápis?
– Por conta da resposta.
– Não a lerá!
– Recompõe-te...
“E morre, de cada vez que morre um Homem, vida. Que transforme a terra, em
fertilidade, os abraços negligenciados, os olhos que nada vêm, o podre. A estar o mundo limpo, não mais se tinham os beijos, os abraços, a esperança, o amor. Por não saberem as flores abraçar nem os rios esperança ter. Por não sentir o vento amor. Que se despoje o Homem do podre de vez... e não te teria sido a morte do corpo precisa!"
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